top of page
Buscar

Carta aos (des) Orientadores

Foto do escritor: João Marcos Custódio da SilvaJoão Marcos Custódio da Silva

Se você ingressou na Universidade pública, ou ainda vai ingressar, certamente na primeira semana será apresentado a você os projetos de Pesquisa e Extensão desenvolvidos pela sua Universidade. E você sabe o que são esses projetos? Quem está por trás deles? Quem é a figura do orientador e do orientando? Então, a Universidade é formada por 3 pilares: Ensino, Pesquisa e Extensão, inclusive estando previstos constitucionalmente no art. 207 da CF/1988” As universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Isto é, a Universidade durante a formação dos seus estudantes deve promover e fomentar esses três pilares.


Os projetos de pesquisa e extensão são essenciais para promoção do conhecimento científico na comunidade acadêmica e na sociedade, por exemplo as pesquisas científicas feitas atualmente pelas maiores Universidades do país para desenvolverem novas vacinas contra o vírus da covid-19. Assim, esses projetos precisam de atores na execução deles que serão os docentes e discentes. Os responsáveis pela feitura dos projetos, isto é, pelo papel de orientar e dar suporte metodológicos vai ser concedido aos orientadores (professores). Enquanto os orientandos (estudantes de graduação, mestrado e doutorado) eles participaram da execução desses projetos assumindo uma posição de aprendizes da pesquisa ou da extensão. Logo, percebemos que a figura do Orientador e Orientando pode aparecer antes do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).


Realizada as observações serão propostos uma discussão baseada em relatos pessoais sobre a cultura da desorientação no meio acadêmico, com o propósito de gerar discussões que possam colaborar para um espaço mais humanizado e empático entre estudantes e professores atuantes na área da pesquisa.




 

Meus caros (des)Orientadores!

Parece que foi ontem o meu ingresso na Universidade e me recordo de ser uma época de inúmeros encantos e esperanças quanto ao futuro que me aguardava. Como todo início somos carentes de experiência e queremos abraçar todas as oportunidades e com essa ansiedade voraz de mergulhar em novas vivências acabamos indo com intuitos muito prodigiosos.

Foi com essa energia e disposição que nós encontramos pelos corredores da Faculdade e começamos com uma relação que aparentemente haveria de dar bons frutos. Durante um tempo deu certo, trocamos algumas ideias e houve aquelas primeiras indicações de textos, livros e artigos e nessa ânsia de conhecimento aceitei esses desafios e foram essenciais na minha formação intelectual. Disso, surgiram a admiração e, por vezes, um desembaraço ao vê-los pelos corredores ou na sala de aula, afinal ali estava pessoas que depositei muita confiança e admiração.


Ao surgir a oportunidade de participar de um grupo voltado a pesquisa e extensão, orientado por vocês, na Universidade me senti atraído a integrar esse novo espaço e na época tive uma amiga que me incentivou. De fato, as reuniões quando iniciamos eram envolventes dadas as discussões acadêmicas propostas e as afinidades intelectuais que tínhamos em conjunto, discentes e docentes. Parecia existir uma nova chance de refazer as pazes com a pesquisa. Afinal, no Ensino Médio[1] tive uma experiência nada agradável e pensava que este espaço acadêmico elitizado, classista e sexista não fosse de pertencimento a mim, mas vocês queridos me aqueceram de esperanças e fizeram acreditar novamente num dos pilares da Universidade: a pesquisa. O projeto teve uma fase inicial de pesquisa e aprofundamento no nosso objeto de estudo em que havia reuniões todas as semanas para discutirmos e dialogarmos sobre diferentes temáticas, ou seja, a intenção desses encontros era um aprofundamento teórico para que depois de meses a gente pudesse sair da Universidade e ir para algumas intuições locais atuando com jovens. Essa primeira fase da pesquisa e do aprofundamento foi excelente, contudo, na segunda fase surgiram as primeiras rachaduras nessa relação que aconteceram na execução prática do projeto de extensão. Ainda que tivéssemos preparados teoricamente há meses ainda não era suficiente para lidarmos com a dimensão dos problemas sociais envolvendo aquelas Instituições. Nesse momento que precisávamos sermos melhores orientados e só com as reuniões para prestarmos “contas” do que realizamos ou as conversas no grupo do WhatsApp não eram suficientes.


O tempo passou e intensificou a frustração e houve inúmeros momentos nos quais estive carente de orientação para entender os passos seguintes que deveriam ser trilhados nessa jornada de pesquisador. No entanto segui adiante, senti que vocês achavam que aquilo era suficiente e, na verdade, não era, talvez seja pela inexperiência de vocês como orientadores? Ou pela experiência e vasta produção científica que carregavam no curriculum? Ou pela produção acadêmica excessiva? E aí?


Noites e noites fizeram parte do planejamento para a execução das atividades do projeto, acúmulo de dúvidas de como realizar aquela pesquisa, sobre a metodologia e continuava com essas dúvidas ruminando e sem me sentir confortável para chegar e pedir ajuda porque haviam os preferidos ou queridos (era nítido). Aos poucos revisitei o meu Ensino Médio e relembrei que havia passado pela mesma situação traumática.


Em um dos momentos decisivos da extensão, a qual estive incumbido de realizar um determinado planejamento de atividades e, havia ficado entusiasmado com o que criei, levei para uma reunião que acontecia periodicamente para ser apresentada. No entanto, nem foi folheada e, no fim, me deixaram de lado colocando outra pessoa para assumir o projeto que eu havia trabalhando por meses, mas essa mesma pessoa ficou dando ordens de como queria que essas atividades fossem realizadas sem nem ir lá, ou seja, mesmo que o meu plano de ação estivesse sido descartado eu ainda continuava como o dirigente das ações com a Comunidade e ao escrever essa circunstância percebo o tamanho desse desrespeito comigo.


A falta de coordenação/orientação por parte de vocês quanto a execução das atividades extensionistas criaram uma instabilidade interna no grupo, sendo percebida ao longo do tempo em que o pessoal parou de se engajar nas tarefas como antes e ainda que essas situações ficassem subtendidas ninguém falava justamente por se sentirem intimidados. Essa não assistência e falta de estratégias geraram em mim situações delicadas de gerenciar em que em diversos momentos tive que mentir para mim mesmo que tudo estava bem quando não estava.


Entre as situações desgastantes e desrespeitosas nas quais tive que enfrentar me recordo das vezes que enviava mensagens pelo WhatsApp para os integrantes do grupo para planejarmos as nossas atividades e não obtinha respostas, tive que dar os primeiros passos sozinhos e quando estava insatisfeito com aquela situação, por não achar justo comigo e com a Comunidade, resolvi me posicionar e chamar a atenção dos integrantes, ainda de modo respeitoso, que acabaram abandonando o “barco”. Diante disso, uma das integrantes inconformada me difamou para os demais do grupo como se eu estivesse errado em alertá-los para realização do que havíamos dado o nosso comprometimento, nesse meio tempo eu estava correndo feito um louco pegando “busão”, desembolsando dinheiro do próprio bolso para custear os gastos que tivesse, como era voluntário não havia bolsa, e deixando de ir ao curso de inglês por longos meses pelo fato de acreditar naquele projeto e pelo comprometimento com aquela Comunidade. Um trabalho que tive que conciliar com as outras atividades da faculdade e com o emprego. Eu tentava falar sobre esses infortúnios e não era acolhido, por exemplo as pessoas que saíram do grupo ao qual eu era responsável foram para outros que atuavam em paralelo em outras Instituições e tudo foi tratado como se estivéssemos na mais perfeita harmonia. E qual a mensagem disso naquele momento: “Você que está errado!”. Ao invés de se posicionarem diante dessa situação desgastante, o que vocês fizeram? Se omitiram, não realizando nem uma correção para evitar que uma situação desgastante como aquela viesse acontecer novamente. Havia tentado dialogar e, novamente, não me escutaram e nem me deixaram verbalizar. Sem contar que vocês nunca colocaram os pés na Instituição que ficamos responsáveis pela realização dessas atividades.


Agora me responde quando somos orientados esperamos uma orientação de fato, certo? Que encaminhe o estudante e o encoraja para se sentir apto e não incapacitado como ocorreu nessas circunstâncias. Essas vivências deixaram cicatrizes difíceis de serem superadas e nesse reencontro com essa situação sai ainda mais fragilizado e desencantado com a Academia. Me sentido ainda mais incapaz e sem poder de voz.


A Universidade é formada pelos seus docentes, discentes, seguranças, o grupo de profissionais da limpeza, os servidores, os intérpretes de libras, os estagiários e a Comunidade. Sem esses integrantes não podemos construir o conhecimento científico. Enquanto continuarmos atribuindo a quem tem as titulações de Mestre e Doutor como seres superiores, estaremos apagando e anulando vidas importantes dentro e fora do espaço acadêmico. Sempre quando recordo desses espaços lembro das/os profissionais da limpeza que cuidavam das salas para que pudéssemos chegar ali e estudássemos ou, ainda, os guardas que após todos irem para suas residências passava de sala em sala apagando as luzes deixadas pelo nosso descuido ou pela aquela ideia errada de que eles estão ali para nos servir.


Mas entendam, essa carta não busca culpabilizá-los, mas sim, solicitar que tenham responsabilidade nas suas orientações e alteridade para com seus orientandos. Afinal, essa lógica da educação como um rolo compressor de produção acadêmica, a todo custo, sem a devida preocupação com os atores envolvidos nela (Professores, Estudantes e Comunidade) é desumano. Hoje estou aqui para falar pelos discentes que passaram por algo próximo ao que vivenciei, mas sei que ser um pesquisador docente nesse país não é fácil e nessa linha de raciocínio eu continuo acreditando que não devemos agir nessa ideia de que o conhecimento deve ser um processo solitário e de dor. Em alguns momentos é inevitável, contudo, essa não deve ser a regra e acredito em um processo mais solidário. Infelizmente, essa cobrança excessiva pela produção acadêmica sobre vocês é desumana, temos que continuar nessa mesma lógica até quando? Aos meus olhos a Educação deve ser um instrumento de transformação pessoal e, depois social. Quando a educação deixa de cumprir essa finalidade, erramos e, erramos feio. E aqui reconheço a minha culpa nesse Sistema Educacional, mas acredito que juntos possamos trabalhar para um futuro de acolhimento dentro da Academia em que as diferenças são abraçadas e resultem em trabalhos incríveis. A Educação não pode se resumir a um curriculum lattes repleto de publicações e seu propósito profissional abrange outros espaços na sociedade.


Queridos, “ontem” vocês erraram comigo e com muitos, mas acredito que agora pode ter a chance de rever suas ações e mudar para o acerto. Continuo acreditando que o erro quando refletido e canalizado no agir pode provocar mudanças reais. Enquanto o espaço acadêmico não reconhecer seus erros vamos ter mais perdas que ganhos para a formação do nosso futuro, mesmo porque, a correção vem da maturação do próprio erro.


Com afeto,

Um forte abraço!


P.S: Esse texto vem da experiência com vários desorientadores nesse percurso de formação que estão inseridos nesses espaços acadêmicos. A ideia central aqui é debatermos e entendermos os liames dessa cultura da desorientação. Logo, surge alguns questionamentos: O que a comunidade acadêmica pode fazer para mudar essa realidade? Esses desorientadores foram orientados? Esses programas de bolsas concedidos pelas maiores Universidades do país podem juntamente ao poder público planejarem políticas de incentivo para mudar essa cobrança desumana sobre os docentes e discentes, pois até quando vamos continuar naturalizando e romantizando a falta de sanidade mental no meio acadêmico?

[1] Infelizmente em nosso país a pesquisa é pouco incentivada ainda mais no Ensino Médio, no entanto existem alguns Colégios que oportunizam essa experiência.


 

✅ Gostou deste post? Comente e encaminhe aos seus amigos.

113 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page