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Resposta à um (des)orientado

Foto do escritor: Michelle Lucas Cardoso BalbinoMichelle Lucas Cardoso Balbino


Querido ex-(des)orientado (espero que supere a desorientação),


Ao ler suas inquietações me deparei com diversas questões que sempre me atingiram a longo da minha formação. Hoje, como professora e orientadora (espero nunca ser considerada uma desorientadora) faço reflexões que possam nos ajudar a entender melhor os caminhos de um ensino jurídico coeso, coerente, de qualidade e empático.

Antes de mais nada quero destacar que a relação “orientador-orientando” apontada aqui não serve apenas para TCC, que muitos acreditam que será o único lugar que a relação realmente existe e que a pesquisa será realizada. A orientação existe no dia a dia da sala de aula e a pesquisa é uma ótima aliada para isso (vale a leitura do livro que coordenei com outros docentes que apontamos como utilizar a pesquisa como método de ensino – “A PESQUISA COMO MÉTODO DE AUTONOMIZAÇÃO DISCENTE PARA UM ENSINO JURÍDICO DE QUALIDADE”, link para aquisição aqui no site do Mentorizando)


Mas vamos aos debates!

Primeiramente quero falar da CULPA, mencionada por você em vários momentos do texto: uma culpa depositada nos desorientadores e também vivenciada por vocês (desorientados). Acredito que muito do sentimento de culpa deve-se ao medo vivido por todos (professores e acadêmicos) nos momentos de interação da vida acadêmica. O julgamento eterno e, uma certa posição de supremacia jurídica fazem com que tanto os docentes, no momento de ensina, como os acadêmicos, no momento de demonstrar o que aprendeu, tenham essa insegurança. E tudo isso não é culpa de vocês (docentes e discentes), a culpa, sendo até sarcástica, é do sistema. Um sistema de ensino que menospreza o pensamento crítico e a capacidade dos juristas de superar seus medos e suas angústias para se tornarem realmente bons no processo argumentativo. Tais aspectos foram amplamente discutidos em um livro no qual tive a grata satisfação de participar no ano de 2019: “O PROBLEMA NA FORMAÇÃO DO(A) JURISTA ENQUANTO PESQUISADOR(A)” (link para aquisição no site do Mentorizando). Neste livro discutimos as lacunas graves da pesquisa jurídica no Brasil, isso devido a uma falha no processo de ensino. Por isso reafirmo: a culpa é do SISTEMA. Como orientadores irão fazer boas orientações se eles mesmo têm como espelho ações que menosprezam a pesquisa e consideram desnecessário o argumento, focando na mera repetição (descrição) de normas.


Assim, a culpa é repassada de docente para discente e reproduzida de forma que o ego jurídico incapaz de enxergar os problemas escondam cada vez mais os problemas de ensino. Como coordenadora posso afirmar que por diversas vezes tentei difundir métodos e técnicas para superar essas questões e demonstrar a importância da pesquisa e da relação professor-aluno para o processo de ensino e aprendizagem[1]. E por várias vezes, inúmeras mesmo, fui ignorada, fui taxada de louca (caça artigo, aficionada por pesquisa), mas nunca deixei esse propósito. E isso sabe por quê? Vejo na pesquisa a solução para os problemas narrados por vocês ao longo de todo o texto. Podem me perguntar: como assim? A resposta está na relação de cumplicidade que os pesquisadores devem ter no início, meio e fim com a pesquisa. Essa relação deve perdurar também nas relações com os acadêmicos-orientandos. A orientação é algo de deve acontecer de forma permanente, estando dentro ou fora do ambiente presencial de ensino[2].


Apesar de culpa ser do sistema, que define um ciclo infinito de problemas, repassados e perpassados ao longo dos tempos, vejo que podemos mudar. Mas para isso a luz tem que ser apresentada. As discussões e debates devem existir, como em diversos eventos que participo. Porém uma questão deve ser superada pela academia jurídica de ensino: além de constatar o problema, devemos atribuir soluções. Falo isso devido a um evento que participei por uma IES renomada que discutimos essas questões. A ideia do evento era discutir soluções, porém, o clamor dos presentes permaneceu apenas na identificação do problema, já identificado e replicado por diversas partes. Em forma paralela conversei tal questão com uma amiga que também participou do evento e constatamos que todos querem apenas lamentar o problema, porém sair da inercia é ponto que demanda muita energia, por isso, o velho ciclo do sistema continua em sua engrenagem.


Posso dizer que dos nossos laboratórios de auxílio mútuo, os integrantes que mais participam são os próprios acadêmicos, temos poucos docentes interessados. E todos que ali permanecem, quase sempre, não precisam estar ali, pois já saíram do sistema e enfrentaram a inovação. Os que realmente precisam sequer se prestam a aprender: uns por nem mesmo saber que precisam, outros pela arrogância em pensar que são os “deus” do conhecimento. E ambos os casos iniciam esse processo ainda durante a graduação, poucos acadêmicos acham importante discutir métodos de aprendizagem e principalmente de pesquisa. Acreditam que sabem o suficiente, e como sabemos, o suficiente não é mais o bastante! Poderia escrever sobre essa questão mais umas 03 (três) laudas, mas passo a enfrentar outras questões listadas em sua carta.


Outro problema definido por você em relação aos seus desorientadores, acredito por falta de conhecimento mesmo destes professores, é quando você aponta que “a intenção desses encontros era um aprofundamento teórico para que depois de meses a gente pudesse sair da Universidade e ir para algumas intuições locais atuando com jovens”. Observem 02 (dois) erros grandes nesta atuação: a primeira é quanto a dissociação da pesquisa e da extensão, trabalhar teoria e prática de formas desconectadas leva ao entendimento de que uma seria mais importante que outra (no presente caso a teoria mais importante que a prática), sendo que ambas são essenciais e se correlacionam. O segundo erro é iniciar o processo teórico por um aprofundamento da doutrina (um erro recorrente e que deve ser evitado)[3]. Essa atuação reafirma a superioridade fictícia que o acadêmico não tem capacidade de pensar (que seria um ponto a ser realizado apenas no mestrado e doutorado) e reafirma a ideia de que o professor não forma concorrentes (escutei isso de um professor na graduação e hoje sei que o superei como profissional e como docente). Deixo aqui uma lição aos que leem essas palavras: pensem a pesquisa como meio de liberdade, uma forma de se tornar livres para o pensamento.


A forma de orientação também é ponto importante a ser abordado, aqui concordo com suas palavras: a orientação não deve ser apenas em reuniões de prestação de contas e conversas em grupos de WhatsApp. Mas aqui deixou um ensinamento aos acadêmicos: não deixem as dúvidas para depois, o seu papel, como orientando, é definir dúvidas. Muitas vezes nos orientadores acreditamos que o que foi abordado está satisfatório, se não está, cabe a você definir essas questões. E aos professores o ensinamento está em dar liberdade aos acadêmicos de expor suas dúvidas.


Quanto à falta de coordenação/orientação na execução de atividades de extensão percebo que tais aspectos são resultantes de todo esse processo, porém adiciona-se a todo o exposto o menosprezo do papel do docente. Já escrevi alguns posts no Instagram do @omentorizando sobre essa questão. E volto a reafirmar aqui: Docência não é “bico”. Muitos profissionais acreditam que a docência pode ser uma forma de ganhar um dinheiro extra e de forma fácil. Acreditam que a docência é apenas FALAR o que acha. Não existe compromisso e técnica no processo de ensino. Esses “profissionais do bico” não compreende a importância em estabelecer métodos e técnicas de ensino e aprendizagem, além de não darem importância para o processo necessário para a uma boa docência. Lembre-se sempre: não importa se professor apenas exerce a docência ou exerce duas profissionais (ex: promotor/docente ou advogado/docente), o que importante é como ele coloca à docência na sua vida. Ela é apenas um “bico”?


Por isso volto a frisar: REFLITAM! Docência não é apenas sala de aula!


E com esse ponto que chego ao fim dessa carta de resposta e espero que você ex- desorientado consiga seguir sua vida acadêmico-profissional de forma mais segura.


Medos existem, mas compreender as técnicas de PESQUISA te fará ser um profissional mais seguro e te levará a superar os medos, afinal: errar é humano e te faz aprender.


Não tenha medo de errar, tenha medo de não sair do lugar!


[1] Michelle Lucas Cardoso Balbino. (Org.). A pesquisa como método de autonomização discente para um ensino jurídico de qualidade. 1ed.Londrina: Thoth, 2020, v. 1, p. 27-29. [2] Abordei essa questão em um capítulo intitulado Seminários Interativos: do pensar ao transmitir a pesquisa jurídica. In: Nitish Monebhurrun. (Org.). A REINVENÇÃO DO ENSINO JURÍDICO: MÉTODOS PARA A QUALIDADE DAS AULAS REMOTAS. 1ed.: Editora Processo, 2021, v. 1, p. 91-125. [3] A sequência de um processo argumentativo coeso é a ordem do art. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Direito brasileiro (Lindb). O que é muito destacado pelo professor Nitish no seu livro de Metodologia Jurídica.


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